AS ORIGENS do Porto são tema de laboriosas cogitações. A minha maneira de ver é que, aqui como sempre, o melhor é fazer como os magistrados ordenam que se faça nos tribunais: dizer toda a verdade. Ora, a verdade sobre o nascimento do Porto é esta: silêncio completo dos geógrafos romanos, aparecimento de um bispo do Porto (aliás de Portucale) em vários concílios visigóticos do século VI depois de Cristo, vida obscura nas centúrias seguintes (e dessa obscuridade não se exceptua sequer o erudito Vímara Peres, lembrança tão frágil com monumento tão sólido no Bairro da Sé) e, finalmente, no ano de 1120, a grande data triunfal – a condessa D. Teresa deu o burgo do Porto, em feudo, ao bispo D. Hugo.
Chamo a 1120 uma data triunfal porque é a primeira vez que ouvimos falar de um Porto-burgo, uma cidade que se não confunde com a paróquia sueva Portucale, governada por um bispo. Esse burgo terá nascido como nasceram as outras grandes cidades do séc. XII, que é o século das cidades: o comércio activava-se, os navios dos mares do Norte navegavam para os portos do Sul, o grande pulmão económico do Mediterrâneo estendia tentáculos para avaliar as riquezas do Norte e a foz do rio Douro começava a servir de escala ideal para a navegação.
O Porto numa gravura mandada publicar, em 1736, pelo parlamento britânico
A antiga Gaia não proporcionava abastecimento de água nem de carne, nem sequer era uma posição favorável para poupar as amarras à força das nortadas. E, por isso, à medida que o tráfico se intensificava, os navios iam ficando em frente à Ribeira, e é aí que vão morar tanoeiros, calafates, mercadores, cuja vida depende do abastecimento das embarcações.
Arrisco a hipótese de serem dessa época as primeiras “tripas”: toda a região era e continua a ser de grande riqueza pecuária, e era ali que os capitães dos navios compravam os bois, o sal e as barricas e mandavam fazer provisões para as longas viagens. E os talhantes sabiam tão bem como nós que as vísceras não aguentam a conserva do sal, e por isso as retiravam e deitavam fora, ou vendiam por qualquer preço. O facto de as vísceras das reses terem entrado na alimentação local tão permanentemente, levando a chamar tripeiros aos moradores, é um indício indiscreto da importância essencial desse comércio.
Mas 1120 era, no Noroeste peninsular, um péssimo ano para uma cidade nascer. Um cronista da época, a quem chamamos o “anónimo de Sahagun”, por estar relacionado com o mosteiro de Sahagun e não sabermos como se chamava, faz uma descrição aterradora desses tempos: os moradores das cidades revoltavam-se contra os seus senhores, incendiavam-lhes as casas, chacinavam-lhes as famílias e exigiam que a independência do burgo fosse reconhecida.
Bem pouco antes, em 1116-1117, uma revolta dessas incendiara Compostela, e a rainha D. Urraca, irmã de D. Teresa, vira-se apedrejada pela gentalha e estivera em riscos de perder a vida. As forças feudais acabaram, com dificuldade, por restabelecer a ordem e impor a autoridade do arcebispo.
Isto faz compreender, sem maior comentário, porque é que a condessa D. Teresa, pouco depois, deu ao burgo nascente, em feudo, ao bispo. Melhor é prevenir do que remediar (não sabemos, aliás, o que se passara antes da entrega do burgo ao prelado). Mas é certo que foi o bispo quem, em 1123, concedeu o primeiro foral aos burgueses da cidade. Este intervalo de três anos é um indício de que já então existiria a tensão que, nos períodos seguintes, levou a graves conflitos entre a população e a Sé, e que ao longo de toda a História nacional opôs o Porto ao Poder. Um dos factos mais significativos da evolução da capital do Norte é que nunca tenha sido permitido aos reis de Portugal edificar ali uma casa para morar.
Estas origens condizem e, até certo ponto, explicam o destino histórico da cidade, que foi sempre de resistência ao Poder e de luta pela liberdade. Para falar só nos tempos modernos, recordo que foi no Porto que:
-deflagrou a revolução de 1820, que implantou o regime liberal em Portugal.
-se fez revolução de 1828 -que tentou em vão impedir o regresso ao absolutismo.
-se instalou D. Pedro, fortemente apoiado pelas forças económicas da cidade.
-funcionou durante meses o governo da Patuleia, só vencido pela intervenção
estrangeira.
-eclodiu, em 1891, a primeira revolta republicana.
Aspecto do Porto no século passado
Nos tempos modernos, a cidade cresceu com a actividade económica nacional.
Povoados outrora distantes, como a Póvoa e Vila do Conde, são hoje grandes zonas residenciais do arrabalde portuense.
E quanto a Vila do Conde, continua por achar a resposta à inevitável pergunta: que conde foi esse? Não foi decerto o fundador pois a terra foi citânia céltica, castro romano, aldeia sueva e, então, não havia condes.
Admite-se, sem certeza alguma, que a terra foi dominada por algum barão astur-leonês, que tenha andado nas guerras da Reconquista. Dessa época nada resta. Vale a pena visitar os monumentos, aspirar o ar do estaleiro, descer o rio até à barra. Este vale do Ave é uma constante fascinação paisagística.
Guia Expresso das
Cidades e Vilas Históricas de Portugal
. HOMENAGENS DE D. PEDRO IV...
. PORTO Desaparecido: CAFÉ ...
. A HISTÓRIA E O VALOR DO C...
. O fim
. Os meus blogues